REFLEXÃO
Se “Escrever é uma das funções culturais típicas do comportamento humano” (Luria, 1998, p. 99), por que esta prática não é tarefa considerada fácil para muitos que não conseguem transmitir mensagens escritas aos possíveis leitores?
Uma das dificuldades observadas em textos de estudantes, por exemplo, é o não envolvimento aparente de grande parte deles em atividades sequenciadas que lhes permitam avançar e confiar na própria capacidade de escrever bons textos. Isto, talvez, porque se sentem impossibilitados de expressar, por escrito, opiniões que são concebidas, mas que ficam, somente, no plano imaginário.
Consequentemente, as ideias que vão, aos poucos, surgindo deixam de ser registradas e passam a ser armazenadas apenas na memória. Este exercício, geralmente, não se constitui em um ato de comunicação por não permitir que impressões pessoais sejam divulgadas com uma exatidão maior que a oralidade.
É fundamental, para produzir textos escritos, não guardar ideias, confiando, apenas, na lembrança, mas escrevê-las. Assim, acredita-se, quem escreve poderá exteriorizar com rigor pensamentos; trazer de volta à mente o que já foi registrado e viver, literalmente, a escrita.
Adília Amorim
Declaração de amor
Esta é uma confissão de amor: amo a língua portuguesa. Ela não é fácil. Não é maleável. E, como não foi profundamente trabalhada pelo pensamento, a sua tendência é a de não ter sutilezas e de reagir às vezes com um verdadeiro pontapé contra os que temerariamente ousam transformá-la numa linguagem de sentimento e de alerteza. E de amor. A língua portuguesa é um verdadeiro desafio para quem escreve. Sobretudo para quem escreve tirando das coisas e das pessoas a primeira capa de superficialismo. Às vezes ela reage diante de um pensamento mais complicado. Ás vezes se assusta com o imprevisto de uma frase. Eu gosto de manejá-la - como gostaria de estar montada num cavalo e guiá-lo pelas rédeas, às vezes lentamente, às vezes para nos dar para sempre uma herança de língua já feita. Todos nós que escreve-nos atamos fazendo do túmulo do pensamento alguma coisa que lhe dê vida. Essas dificuldades, nós as temos. Mas não falei do encantamento de lidar com uma língua que não foi aprofundada. O que recebi de herança não me chega. Se eu fosse muda, e também não pudesse escrever, e me perguntassem a que língua eu queria pertencer, eu diria: inglês, que é preciso e belo. Mas como não nasci muda e pude escrever, tornou-se absolutamente claro para mim que eu queria mesmo era escrever em português. Eu até queria não ter aprendido outras línguas: só para que a minha abordagem do português fosse virgem e límpida.
Clarice Lispector in A descoberta do mundo.