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Transcrição Glória Carvalho

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Memória da Educação na Bahia

Maria da Glória Carvalho

Gravado nos estúdios do ÉduCANAL – Faculdade de Educação da UFBA, em 19/06/2018.

Eu sou Maria da Glória Paiva, mas eu vivo numa sociedade, né? Então agora eu sou Maria da Glória Paiva de Carvalho, eu nasci em Minas Gerais, no dia 12/12/1931. Graças a Deus eu tenho 86 anos, não sei porque estou durando tanto, gostaria de não estar mais aqui, mas se eu ainda estou, então vamos fazer o que me pedem. Por exemplo, não sei quem foi, não foi ele, foi um moreninho que me perguntou: a senhora ainda trabalha com psicologia formativa, e eu olhei para ele um pouquinho espantada, pode me olhar, estou lhe olhando também… eu disse: “algumas vezes”. E quem foi seu professor? Eu disse: Eu só tive dois professores na minha vida, os outros todos são professores, não desfiz de ninguém, mas eu só tive dois professores. Um, foi Agostinho da Silva e o outro foi Stan Keleman. Foram eles que me ensinaram como é que a gente pode ser feliz vivendo do jeito que a gente quer, não é do que os outros querem, é do que nós queremos. Então, isso eu passei para um bocado de gente. De que forma? Brincando… eu nunca dei aula a ninguém. Eu sempre brinquei com as pessoas. Então, não sei como é que a cabeça de vocês está funcionando, só que eu sinto que esta fervendo alguma coisa aqui. Eu não queria sentir esse negócio fervendo. Eu queria que ficasse mais apaziguado.

Brincar para mim, é uma coisa fundamental na vida de qualquer ser humano. Se você vai estudar por que você quer ser – eu vou dizer uma coisa que Nelson vai dar risada – por que você quer ser Geógrafo igual ao professor Milton Santos, você vai – eu vou falar uma palavra que meus meninos e os amigos deles falam – você si fu… pois ninguém é igual a ninguém, você é igual a você, você é o que você é, não o que quer ser.

Algumas pessoas percebem isso muito rapidamente.

Como ‘dona Glória’... tenho horror que me chamem de dona Glória. Não sou dona de nada, sou dona de mim, mas não sou dona de coisa nenhuma.

Então, como eu percebo isso? Pela forma das pessoas, como as pessoas se constroem. Deixa eu dar um exemplo, Nelson.

Hoje eu vi uma menina que eu tinha visto com 16 anos. E ela já casou três vezes. E aí eu cheguei no lugar onde ela estava e falei boa tarde para todo mundo. Ai a pessoa que eu fui visitar falou: “Glória, você não conhece fulana? filha de ….” Porque na Bahia todo mundo é muito maravilhoso, fulana é filha de fulano, é tio do avô, do bisavô, sabe com que roupa está, qual é o sapato que calçou… na Bahia você sabe de tudo isso… Em alguns lugares do mundo a gente nem olha para as pessoas, o que é muito melhor.

Mas ai eu falei: “não, desculpe, mas eu não estou lhe reconhecendo.” Eu sabia que eu conhecia, mas ela estava tão mudada que eu não reconheci… “Eu sou filha de fulano de tal”. E eu falei: “não pode ser, como você fez isso com você?” Por que ela estava transformada, rapaz. Não era a pessoa que eu via, que eu vi até mulher, mãe de filho e tudo. “Você não me reconheceu, Glorinha”. Eu disse, “não fulana, não lhe reconheci…Mas não foi por coisa nenhuma na minha cabeça, é porquê você tá diferente. O que foi que você fez com você, criatura? Pelo amor de Deus.” Aí eu me dei conta de que eu estava entrando num lugar que não era naquele que ela estava, e nem que eu deveria entrar. E isso aí foi rápido!

Aí eu falei: “Mas não ligue para as maluquices que eu estou lhe perguntando não…” “Você tá me achando muito diferente?” “Não, Não. Eu é que estou diferente”, porque é uma coisa quase que absurda como a gente faz com a gente, né? Só que a gente não se dá conta. Não são todas as pessoas. Mas na sua maioria as pessoas fazem barbaridades consigo mesmos. A partir de quando a gente é professor e que ensina às crianças que “Meu amor, chame tia fulana” isso é um pecado mortal. Se Deus existe na cabeça de qualquer um, fazer uma criança chamar qualquer filha da puta, ô (Glória ficou envergonhada pela palavra) de minha tia é um absurdo, Nelson, né?. Eu estou aqui porque eu tive notícias de uma pessoa que eu não vou dizer o nome, porque eu acho que é indiscrição, falou pra você que… não, você já sabia, mas ele falou “Eu conheço Glória” e aí deve ter trocado figurinhas, nós levamos muito tempo sem nos ver, muito tempo; não sei quanto. Mas na hora que ele disse assim: “Eu falei de você pra Nelson” eu disse “Foi? E o que é que você disse a ele?” “Ai, eu disse tudo!” Eu disse: “Tudo o quê rapaz? ‘Cê’ tá muito metido, né? Você está metido. Como é que você sabe de mim, tudo?” Ele disse “Porque minhas filhas foram suas alunas...” “Suas filhas não foram minhas alunas. Eu fui aluna da sua filha mais velha.” Porquê que eu fui aluna da filha mais velha desta pessoa? Porque ela era, e é uma mulher extremamente cerebral, e ela é bonita além do mais. Fisicamente ela é bonita. Sabe o que é bonito? Então é isso, pense assim, na coisa mais bonita que você já viu na sua vida, e pense numa criança de cinco anos que está começando a aprender a ler e tem outra de cinco anos que sabe ler perfeitamente. E ela não acertava fazer um ‘z’. Mas como ela era filha de duas pessoas super inteligentes, super! Ela inventou na casinha dela, com a mãezinha dela que ela manipulava - porque menino manipula o professor viu, gente? não pense que eles não conhecem vocês através do avesso do avesso de vocês, ou nosso!

Ela manipulava aquela mãe, que adorava ela, né? As duas eram meio parecidas, mas não se dizia “Ah, ela é engraçadinha, né?” Ela não era engraçadinha, ela era bonita!

E ai, “Olhe, eu hoje não pude trazer fulana…” Eu falei, “Porque você não pôde trazer fulana?” “Porquê ela tá sentindo muita dor de cabeça” “Ela tá sentindo dor de cabeça?” e ela “É” “E amanhã?” “Eu não sei Glória, eu ‘tô’ preocupada...” Aí ela fala aquele negócio todo, ‘né’… dá corda elas vão falando igual a mim, que ele me deu corda… Rapaz… eu falei: ela não tá com dor de cabeça nenhuma, esta criatura está dando o golpe em Bete, que era alfabetizadora dela.

Ai eu falei “ O que é que fulana …”- Eu posso dizer o nome dela? (“Pode”) Ela se chamava Bia, significa que ela se chama Beatriz- “ O que é que Bia tá fazendo na sala de aula?” Não sei, Glória… tá estranha” “Tá estranha, é? E você não sabe porquê que ela tá estranha?” “Não, não sei” eu falei “Então fecha os livros, fecha os olhos, respira fundo, quatro dedos abaixo do umbigo, respira na barriga e pergunta o que é que Bia tá fazendo com vocês todos aqui dentro dessa porcaria dessa escola!” que era a minha escola! Não era escola de dona Filha de Seu Tiago, nem de dona Babilha Almeida, nem da Universidade Federal da Bahia… era a minha! Quer dizer, eu pensava que era a minha… (sorri) mas era dos meninos!

Então, ela descobriu depois de fazer a respiração dela bem profunda que um dia vocês vão aprender com Nelson Pretto, ou com quem quiser ensinar para vocês, ‘né’? Aí vocês vão descobrir as coisinhas de vocês, as vezes são engraçadas, as vezes são perigosas, as vezes são maravilhosamente deslumbrantes. Então Bete descobriu que Bia não estava acertando fazer o ‘z’; ela sabia fazer todos os símbolos, ela dizia tudo. Quando chegava no ‘z’ ela dizia “z” (em voz triste e cabeça baixa).

Porque...? “Não Glória, mas isso é porque ela é assim mesmo” eu dizia assim “ Ah é? Uhum… Ô Bia, vamos brincar nós duas? Eu vou pra lá, e você vai pra cá.” “Não, Glória, eu vou pra cá e você vai pra cá!” eu disse “Não. Eu vou pra cá e você vai pra lá” O que é que Bia não sabia, minhas prós? Bia não sabia se movimentar dentro do ambiente que ela estava vivendo. Só isso. Devia estar com receio de qualquer coisa. Qual era o receio de Bia? Você ia ensinar a ela verticalidade, horizontalidade, não sei o quê é assim… não dá. Bia tinha quatro para cinco anos. Então eu fiz Bia andar pra direita e pra esquerda, pra direita e pra esquerda, Bete: “Tu tá louca, tu tá louca!”, eu disse “Agora bote o Z bem na frente dela” Só fiz isso, depois não trabalhei mais com nenhuma criança.

Aí botou o ‘z’ ela disse… -Eu vou fazer, posso? (“Pode”)- “Eu não quero ver essa letra” (se vira de lado na cadeira com cara de chateada) Virou toda, virou! Não virou de costa, ficou assim. “Eu não quero ver essa letra” Bete: “Ela não gosta de ler!” Cala boca… fica quieta. “Porque você não quer ver essa letra?” Boquinha contraiu, contraiu toda. Ela tinha quatro anos, gente. Ninguém se contrai assim por coisa nenhuma, né? As vezes se contrai, mas aí já é maiorzinha, né? Não tem quatro anos. Bom… e também não adianta saber muita psicologia, nem não sei o que mais, não sei o que… não adianta nada disso. Basta olhar. É aqui que está a ciência do professor, é aqui! (aponta para o olho) E isso daqui não pode ficar mexendo demais não (aponta para o coração), porquê se você gostar demais ‘ai que beleza de criança meu Deus…’ ele vai fazer de você bagaço e você vai virar bagaço. Aí ela vai chamar você de tia, meu amorzinho, minha queridinha e não sei o quê. E não existe queridinha, né? Professor tá lá querendo ganhar o dinheiro dele pra comer no outro dia seguinte feijão com… sei lá… paio, não sei o que mais, não sei o que mais, não sei o que mais, quem come isso, né?

Eu disse a Bia assim: “ô Bia, agora vamos brincar de Zig Zag?” “Não quero, não quero Glória” enjoada sabe, aquela enjoada? Eu disse: “Vamos brincar de Zig Zag, rapaz...” Ela olhou pra mim e disse “Zig Zag vai pra um lado só?” eu disse “Não, vai pros dois lados, quantos lados você tem?” Ela aí olhou pra mi e disse “Eu tenho dois” eu falei “Zig Zag vai pra lá e Zig Zag vai pra lá, então fica um assim e o outro assim, tá bom?” ela aí olhou pra mim e disse “Já sei! Vamos brincar de Zig Zag” eu falei “Não comigo! Você vai brincar com Tetê” Porquê mulher – os homens fechem os ouvidos – mulher é um bicho muito safado, certo? Vocês também homens são safados, mas mulher é mais… eu diria assim… tem uma malícia que eles não têm por mais maravilhosos que eles sejam eles não têm, e aí eles morrem, né? Porque eles morrem! Então… mas criança não sabe isso, criança não sabe isso, é natural dela. Porque é natural você ser criança também. Então teve lá uma hora que ela disse assim “Ahh, agora eu já sei.” eu disse “filha da mãe...” ela… ela vai ser o que a mãe dela quiser, porque a mãe dela queria que ela fosse geógrafa que nem professor Milton Santos, olhe bem, olha a altura da história. E ela, não queria mostrar a ninguém que ela não sabia fazer o ‘z’ porque ela sabia todas as letras. Mas como é que você vai dizer isso pra uma mãe? Me diga. Não tem como, né? Porquê mãe, tem uns negócios mexidos lá dentro, eu não sei direito como é que é que ela pode dizer tudo do filho, mas ninguém pode dizer “seu filho é isso assim, assim, assim” que o bicho pega, né? Mas… diz o professor Nelson Pretto, me disse hoje, agora aqui no estúdio “Você é teimosa...” Como eu sou teimosa...

Que foi, Chica?

-(“É colega que chegou…)

Quer chamar? Que interromper? Pode me interromper, qualquer hora.

-(“Não, mas tá tão interessante”)

-(“É, eu tô doida pra saber e terminar essa história”)

Repare. Então ‘perai’ eu conto rápido.

...Ela ai olhou pra mim e disse assim: “Eu não estou mais gripada!” “então agora eu vou lhe dar um pedaço de papel deste tamanho - o maior papel, né? - e você vai fazer uma coisa para mim, você vai escrever o ‘a’ que é a primeira letra que você está aprendendo e o ‘z’ que é a letra de quê, gente?” E aí todo mundo “Zebra!!!” Teve um que disse não sei o quê, e enfim… mas teve um que disse que era zebra porquê Bete deve ter colocado Zebra na frente dele, as figuras, né? Símbolo e figura é uma coisa que Campbell brinca também e eu tava brincando com ela. Aí ela: “ E qual é o lápis que eu escolho?” eu falei: “não sei, Bia. Qual é a cor que você gosta?” olhou… mas era tão linda no olhar sabe? A descoberta de que aquilo era uma coisa, ao mesmo tempo que foi muito difícil, ela tinha desmanchado tudo e ela sabia o que ela ia fazer. Ela pegou o lápis com uma firmeza que eu nunca vi ninguém ter aos quatro anos, nem aos quarenta, porquê demora, né? Pra você ser firme; Querer, querer. Não querer, é difícil. Mas enfim, ela ai ‘tra, tra’ -botou um, botou outro- aí depois ela falou “agora é só ligar né uma ponta com a outra, Glória?” eu calada como vocês estão aí “Diga, Glória!” eu falei “Vou dizer. Porque que você teve dor de cabeça? Só por causa disso?” “Quem lhe disse?” eu falei “O diabo! Você sabe que o diabo conversa comigo?” Ai ela começou a rir, todo mundo começou a rir porque o diabo não ia conversar comigo, e eu não ia dizer como eu tinha descoberto porque senão ela ia pensar que eu sou uma coisa maravilhosa, e isso não é verdade. Simplesmente ela fez um ‘z’ ‘ói’ um pra aqui, outro pra cá. “Agora é só ligar as pontas” pronto, era o ‘z’, acabou. Não teve mais dor de cabeça, não teve gripe, aí que foi um nó em mim. Como é que eu vou falar pra esta mãe? Era o cuidado de não dizer que Bia tinha uma sabedoria maior que todos nós, porque ela enganou todo mundo dentro da sala, né? E ela simplesmente tava se sentindo mal porque ela não tinha conseguido fazer uma coisa que pra ela era facílimo. Então como você resolve, pró, pedagoga, sei lá. Não deixem te chamar de pedagoga não, você, bonitinha, não deixe. Não, sou professora. De quê? De tudo! Sou professora da vida, gente! Nós somos professores da vida. Não somos professores de nada. Alguns são professores de história. Outros, mais sabidos. São professores e depois vão ser… -como é que chama esse negócio que liga com… tem uma ciência que liga com essa parafernália aqui que vocês tão fazendo, me fazendo de palhaça aqui, ma tudo bem. Como é que chama isso? Tem um nome cientifico… ‘ô’ Pretto (“tecnologia?”) Não, não. Daqui a pouco chega na cabeça da velhinha, eu digo.- Mas não é isso só que você é. Não é só isso, não é? Você é gente, meu bem. Né? Você funciona 24 horas por dia, sem parar, sem parar. Porquê dormindo você também funciona. Não é? Agora, como você funciona? Aí eu tenho que dizer que doutor Kelleman me ensinou que a gente funciona como duas coisas básicas. E eu acredito que ele tenha razão. Que a gente funciona com o cerebelo, certo? -Que fica aqui nessa posição que quando o povo diz “eu estou com muita dor de cabeça”… ou, funciona com uma ‘glandulazinha’ que a gente tem por aqui, né? E depois a gente se acalma, quando a gente sabe respirar direito. Se a gente não aprendeu a respirar direito a gente nunca vai pensar mais ou menos direito. Ou a gente vai repetir o que o outro diz, ou a gente vai repetir o que está escrito no livro. Ou então a gente pode ter a coragem de doutor Bruno, de doutor Pretto, de … ‘maravilhosa de verde’, do historiador, da francisca, da Milena, né? A gente pode ser assim. Só que bruno, foi mais sabido que vocês todos. Bruno tá escondendo alguma coisa aí que um dia desse vai estourar ‘poft’! Porque ele fez pedagogia, mas ele não trabalha com pedagogia. Ele trabalha além dessa coisa, desse nome indecente chamado pedagogia. Ele trabalha com isto, que isso aqui é um… isso aqui é uma coisa muito séria, gente. Isso aqui ‘bota’ a gente na cadeia, não é? O povo pega o contracheque da gente, como pegaram o de doutor Roberto Santos, e foram saber quanto ele recebia como reitor. Quer dizer, o quê que esse miserável tem a ver com a vida de Roberto Santos? Me digam. Nada! Como... Que pessoa essa pessoa se construiu? Como foi que ela se construiu como pessoa? Como é que eu me construo como pessoa, pra ensinar tantas crianças ou tantos alunos como pessoas também nesse mundo? Isso é que seria importante pra cada um de nós pensar. Não importa que seja dentro da Faculdade de Filosofia, Não importa que seja dentro da Faculdade de Educação, Não importa que seja dentro da Faculdade de Medicina, não importa onde seja. Mas se construa como gente, pela espinha - “ah eu estou com hernia de disco”, “eu não tô respirando direito”, “a minha barriga ficou deste tamanho” - Porque? “Bebi muita cerveja
?” ‘Heineken’ agora que tá na moda, né? “Não… comi muita carne”, Não! “E o que foi que eu fiz?” Não sei! O que foi que ‘cê’ fez? Me conte. Faça como você faz, eu faço… eu, quando eu trabalhava na minha sala, eu dizia assim: do mesmo jeito que você não quer que eu lhe pergunte, me conte. Como você acha que você fez com você? - “Ah, mas não sei se eu devo contar...” Então não conte.

Prof. Nelson- “Agora eu posso pedir uma coisa...”

Pode.

Prof. Nelson- “...Pra você contar. Você disse que era dona de uma escola mas não falou que escola é essa.”)

Tu não presta! Tu não presta!

Prof. Nelson- “Conta, conta um pouco dessa história pra gente”

Olha, eu sou um pouco dispersiva, mas o que eu fiz com Bia, eu fiz com várias outras crianças, só que todas elas que passaram ‘pela essa’ escola que ele quer que eu diga que se chamava Barca Dalva, e porque que se chamava Barca Dalva? Porque eu conheci um homem que foi meu professor e que viveu numa escola que ele diz assim “Eu escolhi, nascer na Barca Dalva”. Qual eu passeava por ai, antes de eu chegar aqui, né? Ele escolheu vendo o lado de lá, que era Portugal, ele viu um lugar que ele não sabia onde era, que tava fascinado pelo lugar, e lá ele queria nascer, só que o querer dele, não é o querer do mundo. Tá claro pra vocês a maluquice que eu tô falando? Então, ele nasceu no porto, com dois anos de idade, o pai dele foi transferido pra Barca Dalva, e ele foi meu professor, eu só tive dois professores?: o Keleman, e ele. Um se chama Stanley, e o outro se chama Agostinho. Então, Agostinho escolheu a Barca Dalva, e depois cresceu, viveu, trabalhou, criou um bocado de coisa, veio a Bahia, foi famoso, ‘pererê’ e não sei o que mais mais, fez um bocado de coisa. E eu trabalhei, tive a sorte, será que eu vou chamar sorte? Não, eu tive a alegria de trabalhar com ele durante 10 anos. E aí, saí pelo mundo também, e quando eu voltei pra Salvador, meus filhos estavam estudando em uma escola de Amabília Almeida, mas que a professora de alfabetização tava alfabetizando meu filho mais velho que hoje tem 53 anos, como eu fui alfabetizada, aí eu enlouqueci, aí eu enlouqueci, eu cheguei na escola de Amabília e eu falei: “Bila eu quero falar com você, essa professora de alfabetização não vale um tostão de mel coado” “Glória, mas ela é uma ótima...” “Não, ela não presta pra coisa nenhuma, ela tá ensinando aos meninos, e meu filho é um que ‘b-a’ faz ‘ba’, que ‘b-e’ faz ‘be’, ‘b-i’ faz ‘bi’, ‘b-o’ faz ‘bo’, ‘b-u’ faz ‘bu’ ”. “Não, Glória. Não pode ser” “Então você não tá indo em sala de aula” Eu e Bila, você veja que dupla miserável, (“Você e quem?”) Eu e Amabília Almeida (“ah, tá”), que meus filhos foram alunos da escola dela até a quarta... -não sei como é que fala agora- fundamental, ‘né’ fundamental agora? (“como é que fala agora?”) fundamental, “eu sou professora do fundamental”, é? O que é fundamental? “ah é são os quatro primeiros anos” E o primário, como é que chama? Não é mais primário. Pra Anísio Teixeira não existe mais pra ninguém, ninguém nem sabe o que foi Escola Parque, né? Como ninguém mais na Bahia sabe que não existe só a Paralela. ‘Cê’ já reparou nisso, Pretto? Todo mundo só bota na porcaria da Rede Globo na televisão deles, é, a Paralela está congestionada. E as outras ruas? Da nossa terra? Quais são? Só existe a Paralela? Aquela indecência? Porque aquilo é uma excrecência. Mas tudo bem, tá bonito, tá bonito. Mas o que eu quero dizer, é respondendo pro senhor. A Barca Dalva, eu chamei minha escola por defeito de… do meu pensamento, as vezes ele é defeituoso mesmo, né? Eu sou gente. Então, foi o que eu tinha pensado que seria a escola em Salvador, que todos os pais se entendessem, e fossem donos da escola, né? Então o que eu criei? Eu criei uma cooperativa escolar, sem dizer a eles que era uma cooperativa escolar; porquê eu tinha pais completamente malucos feito eu. Não vou nem citar os nomes, mas eu tinha um que era doido, doido, doido, doido, doido. Aí ele disse: “Você vai fazer a mesma coisa que não sei quem...” Aí eu falei “eu não conheço” - Peguei um livro pra ler pra ver se eu copiei ele- aí ele: “não, não não, não. É porquê uma cooperativa escolar, é difícil na Bahia” Eu disse “É? Mas se você vai pagar pela escola ‘x’ você pode juntar você, Cipriano, Mirabeau, Luiz, e quem foi o outro meu Deus? Ah, um alemão que era Padre e que botou os dois filhos na Barca Dalva, porquê disseram que era uma pessoa que brincava muito com as crianças e só andava descalça e nua daqui pra cima, porque eu andava embrulhada nos panos dos indianos, né? Que é mais confortável do que essa roupa mas, não é todo dia que a gente pode andar assim, mas na escola, na Barca eu podia andar assim, né? Não precisava de tênis, de sandália, ficava de pé no chão com os meninos, e os móveis foram feitos por um arquiteto, chamado Jamison Pedra. “Como é que ‘cê’ quer, Glória?” “Eu quero que tenha uma mesa redonda, do tamanho da sala e quero que os meninos tenham uns banquinhos que eles possam botar os desenhos deles.” Pronto! Jamisson fez isso em dez minutos, né? E ficou a mesa e eles ficavam lá, e eles faziam os desenhos, “Aqui é meu lugar” Pronto, todo mundo sabia seu lugar, cada um escolhia o seu, cada um tinha um dia, cada um tinha seu lugar, não é “você senta aqui nessa carteira”, que isso é um crime, né? Você botar um menino sentado, você ficar numa plataforma dando aula, é um negócio que dói meu coração. - Ah bem que você tá inventando outra coisa, guarda ele guardadinho de chave de ouro, porque ele vai preparar uma. Bruno. Bruno, né?:Eu acho que é uma boa pra ele, mas…- A Barca foi uma escola cooperativa. Não foi a minha escola, foi a cooperativa dos pais. O que eles, o que eles tinham entre eles, eles decidiam quem pagava a luz, quem pagava água quem pagava o aluguel… Agora, os livros, e a metodologia já tava pronta, né?

Um dia que eu tive um pai meio… maravilhoso “Eu queria discutir a metologia da Barca com você” eu falei “O que é que você estudou?” “Não, eu fiz ‘não sei não sei que’...” eu falei “ Eu não vou estudar com um sociólogo a metodologia das crianças não, agora, se você quiser, eu lhe dou os papeis. Agora, se você tirar cópia, eu te processo.” “Não, Glória...” Não tem pra onde, ainda não tinha esse negócio aqui, não tinha isso. Ou se tinha, eu não sabia. Só que esses cinco pais, eram tão loucos quanto eu. Eu acredito que eu fiz uma loucura nessa cidade. Que no dia que a Secretaría da Educação, que era Doutor Edvaldo Boaventura, não sei quem era a secretaria eu sei que a sub secretaria era uma mulher chamada Terezinha Fróis Assumpção. Mandou uma equipe de professores, avaliar a escola.

“Nos estamos aqui porque o professor Edvaldo Boa Ventura...” eu falei: “Quem é o professor Edvaldo Boa Ventura?” “é o secretário de educação...” na minha escola ele não manda, meu bem. Ele manda na casa dele, ele manda na mulher dele e nos filhos dele, aqui na minha escola ele não manda. E ele manda nas escolas de Salvador, mas aqui ele não manda, pode dizer a ele.”

Quem mandou dizer ‘pra’ ele foi a moça que escrevia as atas, para aulas, para as reuniões dele, quando ele era presidente... não, como é que chama isso na universidade? é diretor de departamento, ele era diretor do departamento de D Leda Jesuíno, quem escrevia as atas de Dr. Edvaldo era Maria da Glória Paiva.

Ai eu falei: “ ah, foi Dr. Edvaldo quem mandou me dizer isso? Tá bom...” aí no dia seguinte de tarde, ‘tô’ eu lá, aí fui toda bonitinha, ‘né’? Toda limpinha, cabelinho penteado, ‘né’ (Não era branco) então, aí fui eu lá. “A senhora quem é?”

“Você diz a Edivaldo que eu sou Glória Paiva”, porque ele foi colega de meu irmão… aqui na Bahia todo mundo se conhece né! Ai ela disse: “ele mandou a senhora entrar, a senhora tem hora marcada, é?” Aí eu falei: “Ele não mandou eu entrar?” “É...” “Então eu vou entrar.” “Dr. Edvaldo porque o senhor mandou uma comissão de professoas na minha escola? Quem são elas? Com quem elas trabalham?” “...Não Glória, é porque teve uma notícia…” aí eles conversam um negócio difícil para entender, para mim… peguei num negócio aqui, faz mal? (rsrsrs) Bruno: “Faz um pouquinho” “Faz? Desculpe!”

Ai ele disse assim: “Não, não foi pra inspecionar...” mas a mulher disse que estava inspecionando a escola, porque eu não estava com o registro na… dentro das normas sociais, entre aspas. ‘né’? ou federais, ou estaduais, eu não tinha isso na barca, perguntei: “O que é preciso fazer seu Edvaldo? Pagar quanto? a quem?” Perguntei essa brutalidade, fiz essa brutalidade... “Não Glória, não é questão de pagamento...” “é sim, é sim, porque todos vocês , ta aí o exemplo agora, ‘né’? todos vocês aonde tem dinheiro, vocês estão todos parecendo uns gaviões, em cima da... da, do bicho lá que tão morrendo, quem ta morrendo são os meninos que não tem escola” perguntei a Dr. Edvaldo Boaventura… Prof. Nelson sorri, ai, aí Dr. Edvaldo...

Glória continua: perguntei a DR. Edvaldo, ele ficou lá todo vermelhinho, disse que não, que eu não tinha que pagar nada, “Não Dr. Edvaldo, eu pago. Eu não, os pais pagam, agora você tem que mandar, uma pessoa educada, porque se você mandar - desculpe eu não estou ofendendo ninguém - uma daquelas professoras que foram lá, que não sabem nem dizer ‘bom dia’…” “nós somos da secretaria de educação”, não tenho nada com a secretaria de educação, a secretaria de educação que se lasque, que se lasque, eu não dependo da secretaria de educação, não é? eu dizendo… ele: “aí não, Gloria, não precisa você ficar zangada”, “Não, não estou zangada não, eu estou achando que isso é uma invasão de privacidade… será que o senhor ensinou as professoras, que existe uma coisa chamada limite ou continente?”… “Não, não é bem isso.” “É isso, é isso sim, porque elas não tem nenhum, elas entram na sala de aula, elas entram na escola dos outros e nas salas de aula, parecendo que é na casa delas, a gente tem que ter o limite, sem precisar dizer que tá colocando o limite, parecendo que esta colocando limites para uma criança, quer dizer, você não pode fazer isso meu amor”. Como é que fala? se você própria não tem o seu limite, não sabe aonde é que seu continente tem uma fronteira, como é isso? Você entra num ônibus, a bolsa passa na sua cabeça, a minha não porque os meninos me levam de carro, mas quem não tem que precisa tomar o ônibus, a bolsa, a bolsa, que agora tem três metros, bate na cabeça do outro e não tem desculpa não, fica aí, é isso mesmo, porque, pronto, pode ser isso, e você pode dar aula a 40 crianças numa sala de não sei quantos metros quadrados, não, não pode. No máximo que você pode conversar com as pessoas, são 9 pessoas, 10, 10 estourando e tendo alguém ‘dejunto’ de você, porque sozinho você não vai dar conta, porque ‘cê’ não dá conta de você, como é que você vai dar conta dos outros, não é? Ou será que não deve ser assim, o que seria escola ‘pras’ pessoas que são professores, escola, o que seria? Não é a Barca Dalva, eu posso lhe garantir que não é, porque a Barca Dalva era só um lugar, onde até hoje Marcio me diz assim, “eu sinto uma saudade, Glória, daquele lugar, aonde eu podia pensar debaixo do coqueiro”, eu falei: “E quando você esta namorando, você não pensa debaixo do coqueiro não? Hehe… não, não tô dando risada não... “é, mais isso é outra coisa…” “não , não é outra coisa, é a mesma coisa, debaixo do coqueiro namorando você pensa a mesma coisa, que você pensava, quando era menino debaixo da escola, você está pensando, o que que eu vou fazer agora, ou que vou armar, para essa… não cair… “como é que você sabe?” “Porque a sua cara é assim, você é assim, ou você é diferente? né?” Se você diz para ele a verdade, ele diz para você também, se você diz para ele essa coisa que nos aprendemos, o social, aí é difícil de você lhe dar com as pessoas, não é?

Carlos pergunta: “Porque a senhora teve desejo de fundar uma escola assim?”

Não, eu não fundei, eu não fundei. “Abriu?” “Criou?” Também não, repare, na Universidade Federal da Bahia, teve um negócio, eu sempre trabalhei nessa coisa chamada universidade, e, teve uma época, que eu não sei qual foi, deram aos professores, dos quais quatro eram muito meus amigos, e que foram os quatro que fundaram a cooperativa, que se chamou Barca Dalva, não fui eu quem fundou a Barca, foram eles que me escolheram para fazer as maluquice de brincar dentro do que eles estavam fundando, eles precisavam dar 40 horas ‘pra’ Ufba, se fosse pegar fogo, se não fosse pegar fogo, ‘Ufba, ‘vumbora’ para Ufba’… todo mundo quer vim para UFBA, né? Não, mas agora tem outras, agora tem Uneb, agora tem Jorge Amado, agora tem Facs, de Manoelzinho Pereira, né? tem milhões, mas eu quero ir para Ufba, “Porque que você quer ir para UFBA?” “Primeiro porque eu não pago” depois, os professores não são mais os mesmos, eu disse ao meu neto, isso eu só digo aos meus, quem quiser que se lasque, ‘né’?... eu sou responsável ‘pela’ aqueles que eu amo, e conquisto, eu não responsável pelo mundo inteiro, sou responsável por mim, - peguei no negócio! - rsrsrsr

Nelson: “pode ir, pode ir.”

Então, repare, essas quatro pessoas, que eram professores, eu não sei dizer os níveis, mais era assim… Nelson Preto para lá, faziam um bocado de coisa na universidade, mas eles não podiam dar as 40 horas da universidade que ‘tavam’ exigindo ‘pra’ eles, e fazer as coisas que 40 horas não dar para um professor viver, não dá! 40 horas por aula e você ganhar, 40 reais por hora, é uma idiotice, você dizer que a pessoa ganhar 40 reais por hora, não dá, é uma indecência, quer dizer, você não se respeita, você quer ganhar dinheiro, você costure, ‘pra’ que coisa mais linda que fazer fuxico e como é que se diz, um… um… e um lençol de fuxico e dar presente a um bebê que vai nascer, não tem coisa mais bonita, e custa caro, né? Então, eles precisavam dar 40 horas na Universidade e não tinham solução, porque ai, não tinha babá ‘pra’ ficar dentro de casa, porque, eles estavam numa confusão, a família, das crianças, desses quatro casais, eram mulher e homem juntos, né? Porque eu gostava muito deles todos, eu adorava os pais, me davam trabalho, trabalhar com pai é trabalhoso, trabalhar com mãe é pior ainda, trabalhar com criança não, é facílimo, é facílimo porque elas são limpíssimas, elas são transparentes, elas são belas gente, elas são belas, até os sete anos elas são absolutamente divinas, quem não sabe isso, dane-se, trate como trata o cachorro da sua casa.

6/13 Meu filho teve uma namorada que quando chegou a minha neta, ela disse: “Venha cá, sente aqui…” eu falei: “Márcia, pelo amor de Deus, ela não é cachorra, as suas você trata assim, ela é gente!” “Dona Glória o que foi que eu fiz?” “Isso, mandando ela sentar aqui. Isso é sua cachorra que você manda, ‘cê’ se dá conta? Você esta se dando conta?”, assim apavorada, o olho deve ter ficado deste tamanho… “Dona Glória a senhora esta brigando comigo?” “Não, eu estou só te dizendo que você ‘tá’ tratando a minha neta como se ela fosse uma cachorrinha, e criança não é cachorro” “Ai Dona Glória me…” “Não, não ‘tô’ te desculpando não, tô só lhe dizendo ‘não faça isso nunca mais’, pelo menos na minha frente, porque se não, eu vou pegar você, lhe dar três ‘sacudidela’ assim e vou dizer sente aqui Márcia!” Pronto!, acabou a história, não é?

Porque ‘cê’ não pode fazer isso com uma criança, rapaz, criança é a pureza divina, se você não acredita em Deus, diga que criança é a pureza do crente, que Lutero também foi Padre, né? Então ele sabe de coisa que vocês todos sabem, não sei direito isso não, porque Dom Timóteo não pode me ensinar tudo, mas as coisas que ele diziam para mim eram sagradas, algumas já falavam assim: “isso é difícil hein, você faz isso?” “Oh Glória, não me pergunte isso, eu sou Abade”, eu disse: “e eu sou Glória, pronto!” Quer dizer se você não tem a facilidade e a coragem de perguntar ao outro que é igualzinho a você, igual, eu não sou diferente de nenhum de vocês, agora até tô diferente, mas Dr. Nelson também ‘tá’ diferente, mas, dentro eu sou a mesma pessoa que eu era em 1930, eu acho, quando eu nasci ou 31, só que, eu tive um pai que me fez de... a menina que ele queria que eu fosse, quando eu fiz 16 anos, eu falei: “eu não quero mais morar nessa casa”, isso aqui é importante todo mundo saber, ele disse: “Porque?” “Porque vocês me dão muita ordem, eu tenho que dormir as 7:00 horas, eu tenho que comer o que eu não gosto, porque vocês acham que é bom, e eu não gosto disto, eu não gosto de muita verdura, eu gosto só de Cocóli…” imagine eu falando isso, e ai o papai disse: “E porque você não disse isso para sua mãe?” “Porque mamãe quer que eu coma tudo que vocês comem, então, se eu ficar na minha casa e vocês me derem de presente Rosa” - que foi a minha Babá até quando eu conheci o pai dos meus filhos - quer dizer, ela não foi minha babá, ela foi minha mãe, minha mãe, né? Porque minha mãe era uma pessoa linda, mas era uma mulher do século 19, né? Então era, piano, tocava lindo gente, tocava lindo aquela mulher, tocava [Claude] Debussy, para essa criancinha dormir, quer dizer, ela me educou, como se eu fosse uma bonequinha de caixa e eu era um diabinho de rabo, entende?

Quer dizer, eu saia pela porta do fundo da minha casa e ia jogar bola com os ‘moleque’ da rua, depois trazia todo mundo para comer na minha casa, porque eles não tinham comida, e na minha casa tinha um pouquinho mais… “Quem você trouxe?” “‘Ói’, Dona Zenaide pode deixar (Rosa) eu faço a comidinha deles”, fazia, eles comiam, não tinha tchau naquela época, o pessoal não sabia Italiano ‘né’? Então, ‘té’ logo, ‘té’ mais, ‘té’ até, não era assim? Até. Pronto!

No dia seguinte… “A gente vai jogar bola hoje, Glorita?” Mentira né? Não pode dizer para mamãe ouvir ? Porque se não ela não deixava, “Onde já se viu uma menina dessas jogar bola com tudo que é filho de todo mundo, an?” quer dizer, eu penso na minha cabeça, pode ser que eu esteja errada, que não era por maldade, era pela condição de vida que ela teve, não é? Mas enquanto ela foi minha mãe até os 16 anos, não esqueçam disso, eu não ganhei uma casa, com 16 anos papai me deu uma casa, um apartamento, de quarto e sala.

Prof. Nelson pergunta: “Isso na Bahia ou em Minas?”

Não, aqui, já aqui, 16 anos eu já ‘tava’ aqui, não estava mais no Sul não, já estava quase virando Baiana, mas ainda não era, ainda não sou, meus filhos são, meus filhos todos, mas tem algumas coisa que eu ‘tô’ muito aindal á em baixo no Sul, sabe? Por exemplo, eu não sei dizer, fulano é fulano, ontem mesmo, alguém me disse, “Fulano perguntou por você” eu falei: “Quem é fulana?” “Menina a mulher de Francisco”, eu disse: “E quem é Francisco, pelo amor de Deus?” Né? Essa coisa assim muito intima, eu diria, repetiria para vocês. Essa coisa sem fronteira da Bahia, não me assusta, mas me deixa meio fora de… fora de equilíbrio, porque eu falo: ‘Como é que ela pode saber que fulana é mãe de Francisco e Francisco tá casado com outra menina e a menina...’ é uma confusão!

Mas rapaz, esse negócio é uma confusão, não é? E como é que essa pessoa vai trabalhar com outras pessoas, se a cabeça dela não ‘tá’ arrumada, como de Dr. Bruno está, a cabeça dele tá arrumadíssima, é por isso que você gosta dele, anh… agora quando ele sair quê que tu vai fazer, Nelson?

Prof Nelson: “Rsrs mas tem mais ai, estão preparando um bocado.” rsrs

Glória: “Preparando, não é estar pronto, ‘tá’ preparando...”

Prof. Nelson: “estamos todos”

Glória: “Todos nós, agora esse sujeito esta pronto, estou brincando, estou brincando, agora.”

Nelson: “Como sempre, né? Brincando, brincando que é importante, ‘né?’”

Glória: “Sim, sem brincar você não pode viver, esse negócio de você chegar e se sentar, ‘bom dia’, aí não dá, não dá.”

Prof, Nelson: “E com 16 você saiu para brincar sozinha?”

Não, saí com minha babá, minha babá saiu comigo, Rosa ficou comigo até os meus 25 anos, porque ela era a minha mãe, eu dizia assim: “Fulano quer namorar comigo, mas eu não quero saber de negócio de namoro não, eu quero primeiro andar pelo mundo, papai vai deixar eu viajar pela Europa toda” - a maluquice de filha única, né? - “E eu vou voltar, eu sei falar duas línguas” - eu tinha essa pretensão, né? poderosa eu...

7/13 então, vamos dizer assim, a Barca não foi criada por mim, foi criada pelo amor dos Pais que gostavam muito de mim, porque tem gente que gosta muito de mim, mas tem gente que não me suporta, sabia? Glória, Glória, Glória, vc conhece ela? Conheço! Que é que você acha? Ninguém pode achar nada de mim porque eu sou feito Lacan, todo mundo sabe quem é Lacan, né? Um rapazinho aí que soube um bocado de coisa e escreveu bonito, escrevia que era uma beleza né, Doutor? Ave Maria… se eu fosse mais nova eu queria me casar com ele, mas é. era difícil, ele morava lá e eu morava aqui e eu já ‘tava’ casada, já era mãe de quatro filhos, aí não dá, não é? Mas ele era um bom homem, inteligente, então... não, não é isso, não é isso que a gente quer da vida gente, a gente quer viver. Viver, o negro Gil já dizia: viver não é fácil não… pergunte a quem? aquele ‘nego’ é sabido, Pergunte ao meu coração… o desgraçado fez, ele não faz outra igual a essa, como ele não faz aquela que ele botou que tem vontade de dar um beijo no pai, ele não faz mais, ele não faz nunca mais aquilo. Agora ele faz umas coisas assim, tal ficou doentinho, mas viver não é fácil não, ele escutou isso em algum lugar e fez a música dele, porque inteligência ‘pra’ isso ele tem, ele é um bom músico, por outro lado, se você faz aquilo que você quer, nessa coisa fantástica que é o ego de cada um de nós, as vezes você não se dá bem, não sei se com vocês é assim, comigo é.

Na hora que os pais disseram: “A gente pode contar com você? Você toma...” “Eu não tomo conta dos filhos de vocês, quem toma conta dos filhos de vocês é a mãe quem pariu eles” elas passam uma semana inteira na Barca, para eu ver como é que elas agem com os filhos de vocês e depois vocês deixam os meninos lá, vocês chegam às nove da manhã, sete horas não é hora de nenhuma criança acordar, nenhuma... nenhuma, nenhuma criança acorda sete horas da manhã para ir à escola feliz, só no Brasil, só no Brasil, só no Brasil, na Bahia então, acorda seis horas, seis horas da manhã para ir para escola, onde você já viu uma coisa dessas? Seis horas é para você ‘tá’ dormindo.

O moço que concerta a casa da gente, o encanador, disse a mim: “eu posso fazer o trabalho que a senhora quer, eu chego às sete horas...” eu falei: “na minha casa não, na minha casa o senhor não chega sete horas, sete horas você chega na sua casa, na minha casa o senhor só chega depois das nove horas. Porque sete horas é de madrugada, eu posso me acordar cedo, mas você não pode chegar na minha casa às sete horas da manhã, se eu quiser ficar só de hobe ou se eu quiser ficar nua, dentro da minha casa sozinha? Vou abrir a porta sete horas da manhã para ter que vestir roupa, para ter que receber o encanador? Que isso gente? O encanador fica na casa dele, nove horas ele chega na minha casa, isso é limite, agora, ‘criança tem que ter limite’, o que é limite para você? Não sei, Doutor. Não sei, para mim, limite é isso, tanto faz ser professora, como ser doutor.

Quando eu telefonei ‘pra’ vosmecê hoje, perguntando, “Nelson é hoje mesmo que vou fazer?” Não queria vir, não queria vir, depois eu falei: não, eu vou, ele telefonou, Mirabeau falou um bocado de bobagem que não devia ter falado ‘pra’ ele, confessou que falou.… oh Mira, porque que você fez isso? “Oh Glória, porque huhhuhhrr” (resmungou)... é um amigo que eu tenho, muito falador igual a mim, e ai ele disse:

Prof. Nelson: “Querido amigo...”

É né, os dois são assim ô... ele e Mirabeau, então o que ele não sabia, ou que ele já sabia, porque ele teve... foi seu filho?

Prof. Nelson: “Não, enteado. É... ”

Então, sim, foi da Barca, e era um menino lindo, já tá um homem, né? Deve ter 40 anos agora, né? Ele tinha uma dificuldade motora, e a mãe não queria, que ninguém visse muito a dificuldade motora dele. “Ele vai andar, Glória?” “Não! Porque ele teve esse problema, mas isso não é problema, ele faz uns exercícios aqui, aí depois você continua fazendo, depois ele vai crescer criatura, ele não vai ficar deste tamanho”. Disse eu à mãe dele que era namorada desse rapaz, porque esse rapaz era muito namorador, rsrsr… Graças a Deus né, Dr. Nelson?

Prof. responde: “com certeza”

E aí ela disse: “Mas eu tenho que ficar...” olhe bem...olhe a pergunta que a infeliz me fez, “… eu tenho que ficar com ele uma semana?” Se você quiser, se você não quiser, você não fica na barca, porque eu não sei como é que você trata Lucas, ele se chamava... ele se chama Lucas, como nome de apóstolo, não é? Ai eu falei: ele não pode ser tratado assim, ele era tratado como isso aqui… que se eu não pegar direito quebra, ele era tratado assim, e ele não gostava, né? Quando ele via os meninos subirem na árvore, ele dizia assim: “Eu vou subir!” ele tinha 3 anos, não, ele tinha 4 anos.… “Eu vou subir!” aí um dia Bety disse: “Glória, ele não pode”, eu falei: “’Ói’ eu passo uma rasteira em você.” Eu era professora da Barca, “ … Eu passo ma rasteira em você, você cai no chão e eu te jogo areia em cima.” “Não, não. Eu não vou dizer nada”.

Aí eu falei: “Então fique na sua, ele vai subir na árvore, todos ‘tão’ subindo e ele vai subir…” é claro que ele não subiu até onde todo mundo estava indo, mas ele subiu, era o que ele queria, gente. Ele precisava fazer aquilo, não é porque ele ‘tava’ com uma dificuldade, é porque a mãe dele ‘tava’: “Ele vai cair, ele vai cair..”’ “Ele não vai cair, ele vai chegar, só até onde a perna dele vai dar”. “Como você sabe disso?” “É só você olhar, menina...” Né? Se você olha… agora, se você faz as coisas… como esse negócio… olha, ela ‘tá’ trabalhando sozinha, porquê ele tá aí se ‘lascando’ de dar risada, Bruno é inteligente…

No mais eu só tenho que lhe dizer que a Barca foi criada por esses quatro casais, com ajuda de quatro casais: (Quem são? Você pode falar os nomes?) Mirabeau e Guaraci Alves de Souza, Cipriano Luckesi e Antonieta Luckesi, Itamar Kalil e Sônia Kalil, mãe de uma menina linda, que Dr. Pretto disse que ela ‘tá’ mais bonita ainda. Ela foi minha… Ela trabalhou na barca, ela chegou da Inglaterra com dois anos, e quando o pai dela chegou: “eu vim trazer porque eu soube que é você que tá trabalhando...” Eu falei: ‘vixe’ maria, meu Deus! Aí eu digo a você que meu coração apertou. Eu falei: “Mas eu nunca trabalhei com ninguém de dois anos em uma escola com 50 meninos, né? Chegar uma de dois anos, todos tinham quatro para cima. Aí eu falei: ‘Não posso dizer a Dr. Itamar que eu não vou trabalhar com a filha dele.’ “Porque ela estava em um escola em Londres, ‘perere’…” e eu escutando. Eu não sei se era o coração que batia, assim mesmo, esse coração não para nunca maio. Só vai parar na hora que o demônio ou deus quiser. E eu espero que deus queira. Mas… pode ser que o demônio ainda queira que eu fique um pouquinho aqui, mas tudo bem. Eu fico.

8/13 Na verdade, ela entrou na Barca, ela tinha dois anos mas ela já ‘tava’ treinada numa creche em Londres… então ela entrou comportada, quieta e depois ela foi vendo que aquilo lá….

[dispersa, brincando com a equipe]

Na verdade o que eu quero dizer a vocês é que eu não tive uma escola, eu trabalhei em um lugar com ajuda de… Itamar foi o terceiro...falta o quarto...

Nilson... vixe maria, como é o sobrenome? não sei... Nilson e a mulher que era o demônio em figura de gente. Ela brigava com tudo que era mãe. Brigava, por nada! “Olhe a senhora passou na minha frente...” Eu falava: ‘Ai meu deus, como é que me mandaram essa mulher para a Barca D’Alva.’ Ai Beth disse: “porque você não disse que pode chegar todo mundo que você trabalha.” Eu disse: “Eu trabalho. Mas com essa daí ‘tá’ difícil, né ‘compadre’”. Né? Porque as vezes é difícil. Umas coisas podem parecer fáceis… são difíceis de outro jeito, mas outras são difíceis na cara da gente. E aí… difícil, é difícil, não tem para onde correr.

Então, esses quatro pais, esses quatro casais me deram coragem, e me ajudaram a fazer a cooperativa escolar. Então eles eram os donos da casa, eles procuravam a casa, eles alugavam a casa, eles iam me buscar ‘pra’ eu ver se a casa servia. A gente constrói uma casa… Não, não, não a gente não constrói nada ainda porque a gente não sabe se isso vai para frente ou se isso vai ter que parar uma hora… “Glória, você não pode deixar a gente…” “Posso, posso porque nós estamos vivendo num mundo e todo o mundo é assim. Se, vocês não tiverem dinheiro para pagar aluguel da casa, e se a gente ficar devendo dois meses o aluguel da casa, como é que vai fazer?” “Ah, você pede a Luiz” Luiz que é meu marido. Eu disse: “Não. Não se mete nas minhas coisas” Eu não me meto nas coisas deles e ele não se mete nas minhas coisas. Nó s somos casados, com comunhão de bens, esse negócio todo que faz no juiz, né? Assina o papel, não é assim? Mas não se mete na minha vida. A minha vida é esta, e a de Luiz, é aquela. Que ele tá lá em cima agora, né? Porque tem quatro anos. Mas, no mais alí só quem mandava eram os pais. Não era eu quem mandava. Eu mandava no trabalho com as crianças, era onde eu me metia. Eu me melava de barro, eu ficava suja, eu andava embrulhada nos panos indianos que eu sempre gostei de me vestir assim… E por aí lá vai, mas eu não me misturava nem com pagamento nem com dia de ir ao mercado. Quem ‘faziam’ as compras eram as mãe. Porquê depois de um ano, eu achei que os meninos deviam aprender a comer, ‘né’? Aí como eu tive um amigo muito maravilhoso – meus amigos maravilhosos já estão quase todos morrendo só falta eu, não ainda falta Matilde... enfim, olha porque meu deus, eu fui me lembrar disso… isso não é pra falar aqui não Dr. Pretto, espera aí que eu imendo já…

Prof. Nelson- “A comida, eles precisavam aprender a comer.”

Isso. Então quem era a pessoa que sabia o que era comida boa, pra mim, pra você, pra você, pra você, pra você, Pra ele? Ele mais ou menos, pra Nelson, pra mim. Era um homem chamado Fernando Roisel. Era muito meu amigo. Aí ele me disse: “Glória isso é uma maluquice, você não conhece o povo da Bahia. Você tá pensando que o povo da Bahia é paulista?” Eu disse? “Não, tô sabendo que é baiano mesmo. Se eles fizerem… disserem que não querem, chamo eles todos de ‘burro’. Pronto, acabou. Acabou Castro Alves, acabou doutor Otávio Mangabeira, acabou a ‘porra’ toda mas eu chamo de burro.”

Reuni Fernando, reuni eles todos. Não eram muitos, deviam ser uns 28 ou 30. E aí, Fernando fez um discurso lá dentro porque ele era o médico, ele sabia a coisa da alimentação. E porque… a primeira que me perguntou foi Guaraci Alves de Souza, aquela mulher me ensinou muita coisa. Aí ela disse: “ Como você sabe que só essa alimentação vai deixar minhas filhas … - ela tinha… tem duas filhas mulheres- … minhas filhas do jeito que elas estão? E as vitaminas?” Ela é filha de médico, né? “E as vitaminas?” E eu disse… ai ela colocou todo o conhecimento que ela tinha em cima de Fernando. Aí Fernando calmo, pernas cruzadas, bonito… ele era muito bonito, sabe? Corado. “E o senhor come o quê? Ele aí disse o cardápio dele de todo dia. Aí todo mundo fechou a boca, porque ele comia arroz, só arroz, peixe e verdura. “E o senhor não come carne?” “Não, depois dos 35 anos, depois que eu fiz 35 anos...” Acho que ele disse um negócio desse lá… Aí teve uma que falou: “Isso é um absurdo” Eu disse: “Aquela moça dalí quer falar Fernando” Eu só disse uma coisa pra ela “Diga ‘pra’ gente, meu bem. Você ‘tá’ ‘numa’ coisa geral, você não ‘tá’ especificamente falando dentro da sua casa não. ‘Cê ‘tá’ falando na nossa casa, então vamos, vamos partilhar” Porque agora a novidade é compartilhar, né? Agora todo mundo compartilha tudo. Daqui a pouco ‘cês’ todos vão compartilhar com doutor Temer e a corja toda que anda junto com ele, não é? (pessoas riem e discordam) Graças a Deus!

Prof. Nelson: (Mas nós vamos compartilhar essas historias todas magnificas)

Não, magnificas não. É que você fez uma coisa que eu disse que eu nunca faria. E a gente pode… ‘nunca’ é uma palavra não existe. Não é? E aí quando Mirabeau disse: “Glória...” Eu disse: “ Mirabeau eu não vou falar com esse homem porque eu não sei o que é que ele quer.” Qual foi a pergunta que eu lhe fiz hoje de manhã? “Ô Pretto, o quê que você… como você vai usar o que a gente vai falar? Pra que professores?” Porquê – me desculpem as professoras – eu tenho muito medo dos professores. Porque cada um tem uma cabeça, gente não é?

Teve uma que disse: “Ô, Glória. Porque que você não pinta os cabelos?” Eu falei “Porque eu gosto do meu cabelo do jeito quer ele é. Você não gosta do seu? O quê que você não gosta em você?” Porque eu gosto de mim do jeito que eu sou. Agora, tem horas que não brinque muito comigo não, porque eu não sou de muito brincar. Eu gosto de brincar com criança, porque eles me ensinam como é que se joga amarelinha sem casca de banana, com gude. Você já brincou de amarelinha só com gude? Nenhum daqui brincou.

Parte 9/13 Eu ensinei a um doutor aqui de vocês a brincar. Ele não sabia dar a mão pra brincar de roda. Aí eu falei: “Ô meu Deus, como é que ele sabe tanta coisa, e ele não sabe que primeiro precisa ir um pé na frente e o outro atrás, e que ele tem que dar a mão pra segurar no outro porque quando a roda girar, ‘né’? Ele vai cair.” Eu falei, aí eu fiz uma perversidade. Eu disse: “Nós vamos cantar tal roda ‘assim, assim’. Esse homem: ”Não sei” Eu falei: “Eu ensino, eu digo a vocês, eu escrevo aqui.” Eu fiz a parede, da parede da casa onde a gente trabalhava e eu fiz um quadro negro. Então eu escrevi, toda lá dava ‘pra’ todo mundo cantar. Quando eu ví que a roda começou a rodar e que ele perdeu o equilíbrio, eu falei “O ‘filho da puta’ não sabe brincar de roda”. Como ele não sabe brincar de roda? Nunca brincou? Ai eu falei: “Ou ele me conta o que é que aconteceu na vida dele, ou ele vai se danar, porque eu vou botar ele pra brincar de gira-gira, sabe como é? (As pessoas concordam) “Não, Glória. Esse brinquedo não é...” “Eu e você. Você quer brincar?” “Não, Glória. Eu não quero.” Eu falei: “’Ói’, ou você brinca, ou eu não trabalho mais com os seus filhos. Não era chantagem? Pronto.” “Não, isso também não pode ser.” Eu falei: “Pode, Porque você ‘tá’ com medo de rodar e cair, eu não vou deixar você cair. Embora você seja mais forte do que eu, mas eu sei segurar na sua mão. E você… você não ‘tá’ sabendo segurar nem na mão da sua namorada” Ele aí se deu… caiu o brilho do desgraçado do homem, né? Eu, eu. Uma moleca na frente dele, ele doutor… não sei, doutor de… um bocado de coisa. E eu dizendo que ele não sabia brincar. Eu te ensino, eu te ensino a brincar. E eu ensinei o desgraçado. Hoje ele dá aula ‘pra’ qualquer um. De lucidade, de brinquedo, de ‘não sei de quê mais”… E Mirabeau disse assim: “Tu sabe o que fizeste?” Mirabeau só fala na segunda pessoa. Eu disse: “Não” “Tu ensinaste fulano a brincar” “Você não diga isto, pelo menos você não diga isto a ele. Se você disser o ‘pau vai quebrar’.” “Ah, Glória. Eu só tô dizendo o que eu vi.” Não, você não pode dizer o que você vê. Nem tudo o que a gente vê a gente pode dizer.” Não é? As vezes a gente tem que passar uma travezinha, né? Não sei… esse moço quando passou aqui a mil… a 2018 anos, 2018 anos, ele disse: “Você só não entrega a trave que tem no seu olho, você só enxerga a trave que tá no olho do outro.” Tira a trave do seu olho, ‘pô’, não é? Faz que nem fez meu ‘cumpade’ Mário “Pô! Eu quero fazer um Exu!” “Meu compadre o que quê isso?” “’Perai’ que eu vou te levar” Eu falei: “Eu não vou com você não.” “Eu vou te levar, ‘cê’ vai ver uma mulher dançar feito o cão!”

No dia que ele me levou, -(Ele quem?)- Mario Cravo. Ele é meu compadre. Nós somos muito amigos, só não somos mais porque minha comadre ‘tá’ muito doente e eu não tenho coragem de vê-la. Luciano e Teixeira, eu não tenho coragem de ver essas duas pessoas. Não tenho, não tenho. Sou covarde… o que quiser me chamar pode chamar mas eu não tenho. Luciano eu não tenho coragem, mas ele de vez em quando baixa na minha casa. Porque aquilo é uma mistura de Demônio e de Deus. Quando ele dá pra chamar nome ele chama nome que você nunca viu no dicionário. “Vou levar você!” Eu falei: ”Calma, calma. Eu só vou se eu quiser. Ma seu não vou pra ver esse negocio que você disse que vai desenhar um...” Quando ele começou a desenhar os Exus ‘pra’ ‘botar’ na praça. Eu falei: Compadre não faça isso, porque isso pé de uma seita, que não é todo mundo que entende.” Aí eu disse a ele: “Pergunte a fulano, a fulano, pergunte a essa moça...” – que era a dona senhora, né? Que era uma mulher de santo importante da cidade. Eu achava ela um pouco estranha, mas não é a minha crença, né? Minha crença é outra. Era mãe de Fernando Pé de tudo que era homem importante dessa UFBA do meu tempo, da UFBA do meu tempo. Não é a UFBA do tempo de vocês porque tudo é menino. Aqui tudo é menino, não é? - Toda essa gente ia lá, beijar a mão dela… Que nada, eles tem a sabedoria deles, eu respeito. Mas eu não quero esse tipo de coisa. Mas ele diz: “Eu na hora que eu quero falar com um Exu eu falo.” Eu falei: você fala lá na sua casa porque eu não quero ver você falando com esse negócio. Tanto de você falar com Exu, ele levou Mariozinho.” “Como você sabe?” “Ora, meu Deus do céu...” Aí a gente já ‘tá’ em outra conversa. Mas o que eu quero dizer com esse exemplo que eu ‘tô’ dando? É que nós, nós professores, ou vocês, eu acho melhor. Não, não acho que eu sou professora, eu sou meio maluca demais para dizer que eu tenho titulo de ‘ não sei de quê’. Mas nós deveríamos mergulhar um pouco nessa coisa chamada ego, e trabalhar isso com quem sabe. Não é com qualquer pessoa não. Nem com qualquer psicologo que acaba de sair da ufba e vai montar um consultório, não. Ir num lgar que você possa trabalhar essa coisa é tão… somos tão egoístas que a gente não vê o copo que pode cair, ou o negocinho que eu botei a mão e que parou o ‘não sei o quê lá’ no negócio do menino. Agora não parou mais. Porquê, porquê um dos dois disse: ”Ó aquele negócio lá dela brilhando aí tá atrapalhando aqui. Porque uma coisa atrapalha a outra, não é? Do mesmo jeito que o mau professor atrapalha o desenvolvimento de uma criança. Porque toda criança cresce, e fica do mesmo tamanho que a gente. Não é o tamanho da minha aldeia, é o meu tamanho que conta. A minha aldeia é Salvador, é grande. Mas não é isso que conta. É o tamanho que eu vivo em Salvador, o que eu sou. Não é? Isso o moço já disse lá... ‘ói’, né? Então eu acho que basta a gente pensar em 3 coisas: primeiro que limite não se ensina a ninguém; se vive, cada um dentro de si. Eu tenho esse tipo de continente, qual é meu continente? Eu… é, sou meio abstrata, não gosto de muitas coisas concretas. Tô falando de mim, né? Então eu posso passar a tarde toda ouvindo Brames. Quem vai me proibir? Ninguém. Quem vai saber que eu gosto de Brames? Ninguém também. Porque eu posso ‘tá’ dizendo Brames aqui porque esse negócio tá gravando, mas não é dele que eu gosto. Não é? Então, isso só quem sabe sou eu. Agora, Nelson que é muito curioso, quer saber de mais coisa, mas isso ele não vai saber. (Mas vou tentar) Mas tenta! Pode tentar, né? Mas, vamos dizer assim. Eu acho que eu respondi na sua pergunta tudo que foi, o que vocês estão chamando de escola. A Barca não foi uma escola. Não é uma escola. A barca foi um lugar que quatro pais tiveram a coragem de financiar a casa, a luz, a água, um empregado, e um vigia que tinha que tomar conta porque tinha muito brinquedo. O povo levava meus brinquedos todo. As mães levaram todos os meus apitos – que os meninos aprendiam musica vendo que cada apito tem um som, porque menino não pode aprender que ’dó’ é ‘dóóó’, não é? Pode ter um fanhoso que não saia cantar, vai aprender como? Brincando com o apito, sabendo que aquilo toca. A menina que gostava de dançar, pegou a castanhola e a primeira coisa que ela fez foi bater a castanhola. Betty: “Glória, ela tá pegando numa castanhola.” “Deixa ela pegar, agora se deixar alí em cima, a mãe dela vai levar a castanhola, porque a castanhola eu trouxe da Espanha, e é bonita.” E a gente tem que ver isso também, não é? Então isso é limite. Isso é a fronteira que separa Venezuela do Brasil, é que você não pode admitir todo mundo aqui dentro, porque aqui é nossa terra, a Venezuela é lá. Você pode abrigar 50 pessoas na sua casa? Um pais não pode abrigar essa quantidade de de gente. Não é mesmo, doutor? Com esse homem que tá dirigindo a gente? Não pode, não pode. Isso é um absurdo.

10/13 E ele tira, ele tira nós todos de vocês. De mim mas não, porque eu não preciso mais disso, mas eles tiram de todos vocês, eles já a P tiraram, eles só não deixaram a Petrobras no lixo porque a Petrobras é muito rica porque senão todos eles tinham deixadoetrobras no lixo, não é? E a educação que eles tiveram a ousadia de dizer… é, semana passada aquele bonitinho, como é que chama aquele bonitinho da Globo? É bonitinho, é bonitinho, ele é bonitinho. Ele é safadinho mas ele é bonitinho com aquele cabelo penteado… é muito bonitinho. Mas, ele disse, ele disse o Bonner disse: “Eles só não levaram o dinheiro todo porque alguma coisa tá acontecendo” eu falei gente, então eu digo assim: Deus existe porque por pior que você não tenha a sua crença em Deus, ou no demônio, são duas energias que existem no mundo. Elas existem.

Prof. NP: (“E o que foi que fez a barca acabar? O Deus ou o Diabo, ou a Terra do Sol...”)

Não. Quem acabou com a barca… A barca não acabou, eu lhe diria. Porque a barca nasceu no meu coração. - Você chama como? (“Carlos”) Carlos, né?)- (“Mas a senhora tinha o desejo de revolucionar com esse sonho?” Esse sonho é uma revolução?)

Não, não sei. Isso só você perguntando a Agostinho da Silva, que era

um anarquista. Eu acho que eu sou  um pouco anarquista.

Prof. NP: (“Fala um pouco mais de Agostinho ‘pra nós’ e ‘pra’ todo mundo que ‘tá’ nos acompanhando”)

(“Era uma educação anarquista?”)

De uma certa maneira sim, porque nunca ninguém vestiu farda na minha escola. Na minha escola, não. Na Barca Dalva. Nunca.

(“A Barca Dalva era um símbolo?”)

Não. A Barca Dalva era o lugar aonde, aonde Agostinho da Silva, meu mestre, e mestre de um bocado de gente nessa cidade, certo? Nasceu e foi criado. Era um homem sábio. Era um homem sábio.

(“Fenomenal”)

Não. Era simples, mas era sábio. Mas como todos nós, morreu em 94. Teve cinco filhos, dois do primeiro casamento, três do segundo casamento. Do primeiro casamento Pedro, ‘virge Maria’ esqueci o nome da filha, depois Bilía, Marcos, Carlota, e Evandro, eu acho que era Evandro, cinco filhos. Mas era homem sábio, não é? Na Bahia, quando ele chegou em 54, 55, ele era Doutor Edgar Santos, o reitor que era um homem privilegiado, aquele miserável. Maravilhoso, bonito, bonito, um homem bonito, tinha a cabeça branca igual a nossa, era um médico mas era elegante, era um homem elegante, e era um homem educado. O que tá desaparecendo no mundo, ‘né’? Você só vê gente ‘maleducada’ você não se dá com gente mal educada, porque é triste. Pelo menos que tenha um pouquinho essa coisa chamada amor falta amor nas pessoas, é por isso que as pessoas não gostam muito das crianças. Quer dizer, eu penso, eu não acho não, eu penso isso quando eu vejo uma mão dizer assim: “Fique quieto!”, ou quando eu ví minha nora “aqui ‘ói.’” Aí eu falei “Eu vou enlouquecer…” não, não enlouqueci não mas dei meu tremilique, entende? Não, não. Não faça isso. “Ela é minha neta, ela não é uma cachorra.”  Cachorro é outra coisa, você tem que tratar bem seu bicho. Mas não se você vai domar o bicho, é outra coisa, mas menino a gente não faz isso, ‘né’? Porque ele tem uma alma, gente. Ele tem uma alma, ele é um espírito que tá nesse corpo. Acabou quer passear lá fora, vai passear, e o corpo acaba. Isso aqui não vale nada, isso aqui não significa muita coisa não. Se não tiver amor e não brilhar um pouquinho.

Tem um reclame na TV Globo do Dr Roberto Marinho que tem ‘a menina pergunta ao avô’. Não, a menina pergunta primeiro ao irmão: “O que é ‘fúlgido’?” ‘Cês’ já ouviram? Aí o menino diz: “Ah, vai passear!” qualquer coisa assim, eu não sei direito o quê que o irmão diz. Aí ela olha de cima da onde ela está, e pergunta: “Mamãe, o que é fúlgido?”a mãe responde: “Pergunte a seu avô” ela aí chega na frente do avô e: “vovô, o que é fff…” demora, o ‘l’ demora, né? porque é ‘uul’ depois ‘gggi’. Demora, isso demora. Isso demora para uma criança aprender, por isso que as professoras de alfabetização, deviam escutar doutor Piaget, gente. Por que por pior que ele seja na teoria, e ele não é. Ele é quase perfeito. Ele fala bonitinho, só que ele não fala a língua de todo mundo. “Né, Zé? Tá tudo bem?” “Tá, tá jóia” O que é que ‘tá’ jóia? Não, tá uma porcaria, ‘né’? Não tem nada jóia. “‘Cê tá’ bem?” Não, “eu tô bem”, ou eu “não tô bem”. Ou então você fica calada, e dá um abraço apertado em que você gosta e em quem você não gosta. Mas não precisa ficar com sua cara de 39 27, não. Não tem que ficar. Ou você vive a sua vida do jeito que lhe foi dada de presente, e respeita a sua criança, ou você tá ‘sifu’ acabou a história. Quê mais doutor Nelson?

Prof. NP: (“Porquê acabou a barca? Ou o que acabou a Barca?”)

Porque que ‘cê’ quer saber isso?

Prof. NP: (“Porque a gente ouviu tantas histórias…”)

Quais?

Prof. NP: (“....desta experiência…”)

Porque acabou. Toda experiência acaba. Não acaba casamento? Não acaba… Filho não vai embora? Marido quando não é companheiro a gente não bota outro no lugar? É, eu acho que é uma porcaria fazer essa experiência, porque tudo vai dar na mesma coisa, né? Não deu certo... siga seu caminho que eu sigo o meu. É a melhor coisa que você faz, e viva a sua vida, porque a vida tem um bocado de presente bonito, não é? Eu penso, eu penso isso.

Prof. NP. (“Você não acha que deu certo? O tempo que viveu?”)

Ah, da barca, o melhor tempo de todos dos meninos, e meu tempo, um bom tempo. Porque os meus meninos ‘tavam’ adolescentes, e eles diziam assim: “aquele menino gosta muito de você, será que ele gosta mais de você do que eu?” “Rapaz você deixa de ser ciumento, porque você vai crescer, você vai casar, ‘cê’ não pode ter ciúme de mulher nenhuma, porque mulher não é bicho que se come.” Ele aí: “Eita, olha como ela falou…” “Meus filhos. Eu, eu diria assim Nelson, a você que eu tenho respeito a todos vocês. Eu diria assim: tem uma hora que determinadas coisas chegam, tem começo meio e fim. A barca teve um começo fúlgido. Ela fala assim: “Fuuulgidô”, mas é linda aquela criança, né? Ela canta “Em raios fúlgidos…” a boca fica uma flor. E ela canta “Em raios fúlgidos”, porque fúlgidos é uma palavra difícil de qualquer criança pronunciar. Ela deve ter… ela deve ser uma criança entre sete a oito anos. O avô disse a ela que fúlgido é uma coisa brilhante, ela aí… virou um brilhante , canta, ela é um brilhante, Quer dizer, eu ví isso, pode ser que… que ela, aquela mulher que doutor Nelson botou lá ‘pra’ fazer um bocado de palhaçada não entende de nada.

11/13 Eu pouco ‘tô’ ligando. Nelson pediu, Mirabeau falou: “Ô Gloria, não faça isso não, vá falar você já falou para Mariluce…” eu falei: “Eu não falei nada para Mariluce”. Mariluce Moura que é minha amiga de anos, né? A filha dela é uma filósofa hoje, é professora da USP de filosofia aos cinco anos ela fez uma música “Eu quero apresentar uma música ‘pra’ vocês todos” ‘tava’ todo mundo na hora da merenda. Aí Bete disse: “Você sabia?” “Não, aguarde, fique quieta.” Porque Bete era meu termômetro “E se ela cantar qualquer…” “Ela pode cantar o que for você vai escutar,” ela aí se sentou no meio da roda, cruzou as pernas, se sentou, fechou os olhos e falou: “Eu queria tanto brincar com uma cor que ‘cêsse’ toda minha ‘pou’... vamos, gente! Cantar a minha música na roda.” Eu olhei e falei: “Bete…” “Glória mas o verbo tá errado…” “Você se faz de idiota... você é uma linguista, você fez letras. Ela tem cinco anos ‘cêsse’ é ‘fosse’, ela só não sabe dizer mas ela conjugou o verbo certo na idade dela.”

A música tava escrita, eu roubei essa música. Não sei como é que chama a mulher que é dona da livraria em São Paulo não sei… eu sei que é uma Judía. Mariluce me levou porque a mulher queria ver, porque eu era Maria da Glória ‘pererê’... falei: “Mariluce, não quero.. quê que ela vai me perguntar…”  as minhas coisas, né Nelson? Eu tenho as minhas coisas assim como você tem, você tem, você tem… aí ela disse: “‘Ói’, Glória eu acho que a gente pode publicar esse” eu falei: “Eu não quero publicar nada. Quem quer publicar é Mariluce e Moura, eu só dou a obra dos meninos - eu disse a ela - e isso eu tenho que fazer uma reunião com os pais porque eu não sou pai dos meninos que criaram isso.” Têm vários que tiveram músicas. Várias. Tem a filha de Paulinho Avance, você conheceu? Um físico, maluco, mas maravilhoso, enfim. Helena fez assim: ‘Janela Indiscreta’ ela tinha 5 anos. Se você ver a poesia daquela criatura… você diz assim: “Fernando Pessoa devia ser igual” eu disse isso a professor Agostinho. “Professor, eu tenho uma aluna que é Fernando Pessoa na infância.” “Dona Glória, se aquiete!” Foi o que ele me disse pelo telefone” eu falei: “Olha o que ela escreveu, ela tem 5 anos elanão tem 35 não.” Janela Indiscreta era o nome… é o nome da poesia. Mas a mulher... oh meu Deus como é que chama… eu nem sei, eu sei que é dona de uma livraria

Prof. NP.: (“Eva Hertz deve ser, da Cultura”)

Não.

Prof. NP.: (“Não? Não é Eva Hertz?”)

É um marido e a mulher, os dois são livreiros.

Prof. NP.: (“Livraria da Vila, talvez? É uma livraria famosa.”)

Não, é uma que fica no bairro daquela gente granfina de São Paulo, uma hora dessa eu digo para você o nome dela. Aí ela disse: “Eu posso publicar, mas eu não posso botar ‘cêsse’” eu falei: “Mas você não vai botar nada... - eu com esse tom de voz- ....mas você não vai botar nada. Nem você, nem ninguém. Então a partir de agora, nem você, nem ninguém vai publicar nada. Com Mariluce ou sem Mariluce.” E levantei e me ‘piquei’, me ‘piquei’. Aí Mariluce veio atrás de mim: “Glória, é fulano…” Meu Deus, como é que chama o infeliz, eu não sei, não sei. Aí eu tava azul, cor-de-rosa eu era o arco íris perfeito, aparecia, desaparecia. Eu falei: “Meu Deus do céu, eu preciso controlar isso senão eu ‘garguelo’ essa mulher…” Porque como é que uma criança de quase cinco anos, ela ainda não tinha feito cinco anos, fala “Eu queria tanto brincar…” ela fala no condicional do futuro, rapaz. “Eu queria tanto brincar...” com a cor, não é com gente não, “...com a cor que cêsse toda minha” e como ela não podia brincar com a cor, ela chamou ‘pô’, pronto, e a música acabou. Que dizer, você vai mudar esse texto, e depois você ainda vai dar uma explicação técnica de professor? Não tem sentido uma coisa dessa. Eu queria… era assim mesmo “Eu queria tanto brincar com uma cor que cêsse toda minha, ‘pôôô’” Aí era um dó tão perfeito, que eu falei: “Não pode ser Tetê, não pode…” Aí, “Vamos todo mundo brincar na roda” quer dizer, na mesma hora a alegria flue, né? E assim é gente grande. Se você deixa seu espírito sair, ou pelo menos se apresentar, você pode fazer pedagogia. Mas depois você vai cumprir o seu segredo, porque cada um de nós traz um segredo. Da onde eu não sei. Se é do inferno, céu, não sei da onde, mas cada um tem o seu segredo. Aqui eu conheci um moço chamado Bruno que tem um segredo. Como é que a gente vai descobrir esse segredo? Eu vou descobrir quando eu tiver lá em cima. Que eu olho de lá de cima, eu olho ‘pra’ ele.

Prof. NP.: (“Mas antes de você ir lá pra cima, você não quer contar um pouco dessas pessoas importantes na sua vida, mas nas nossas vidas também, que  você conviveu aqui na universidade, na Universidade de Brasília... pessoas que ajudaram a construir esse país, a universidade brasileira…”)

Doutor Darci, com quem que eu vou falar de doutor Darci?

Prof. NP.: (“Eu não sei.”)

Não, não falo. Porquê não tem como eu descrever aquele homem pequenininho, danado e bonitinho. Ele era o cão, ele era o cão aquele homem.Enquanto todo mundo chegava ‘enfarpelado’ na Universidade de Brasília, ele era reitor da Universidade de Brasília. Ele tava trabalhando com professor Anísio Teixeira, todos vocês conheceram? Conheceu? Trabalhou na escola parque?

-(“Não, conheci só da literatura”)  

Conheceu?

-(“Na Escola Parque”)

Trabalhou na Escola Parque?

-(“Não, Não. Eu conheci uma diretora da Escola Parque”)

-(“Estudei”)

-(“Você estudou na Escola Parque?”)

-(“Eu fiz curso lá, na verdade. Quando eu era criança.”)

Na Escola Parque?

-(“De sexualidade, eu vi o que era sexualidade com menos de 10 anos e foi encantador”)

Doutor Anísio?

-(“Não lembro de quem era na época”)

-(“Dele certamente não”)

Não, doutor Anísio, ele foi secretário da educação no governo de Otávio Mangabeira, não é isso? (“É”) Eu acho que é isso.

E ele fundou uma escola que era uma perfeição. Ele fundou uma escola. Agora, eu não sei se ela ainda existe, ou se eles já transformaram… agora, porque assim, a grade, a grade, a grade tá lá escrito “a grade do curso fundamental…” ou de um curso qualquer desses agora da moda, não sei qual é, fundamental, qual é o outro?

(“Educação infantil, ensino fundamental 1, e 2, e ensino médio”)

Ensino médio. Então, a grade do ensino médio tem… é igual, é igual ‘pra’ todas as escolas, como pode ser isso?

(“Eu conheço uma professora que foi Jaci Correia da Rocha, que foi diretora da Escola Parque se eu não me engano, no governo de Roberto Santos.”)

Não sei quem é, eu sou mais antiga, eu sou do pretérito passado, ou do pretérito futuro, certo? Então eu conheci Anísio Teixeira, eu tenho um respeito profundo ‘pela’ aquele homem. No dia que ele disse a Darci Ribeiro... - que eu amo profundamente aquela criatura, e adoro a mulher dele. Não sei se já morreu, não sei, não sei mais nada. Depois que ele foi embora ‘pro’ Uruguai não sei o que aconteceu mais com ele. É porque eu não tive coragem, quando eu quero muito bem as pessoas, eu não tenho coragem de ver quando não ‘tão’ bem, ‘né’? Gostaria que todo mundo fizesse isso comigo, na hora que souberem que eu tô mal, esqueça. Digo a minha filha mais nova que é muito apegada comigo “Minha mãe se você morrer…” “Se eu morrer? Eu vou morrer.” Agora, eu tô trabalhando viver o meu morrer. Devagar.

Ele tá brincando comigo. Se você me perguntar quem é ele, eu não sei direito. Mas sei que tem uma energia aí brincando comigo. Não dói nada, tô perfeita. Meu médico me acha maravilhosa, descaradinho... “Mas tá uma maravilha… a pressão...” “Não precisa dizer, tá 12 por 8, eu sei. Não sobe nem desce. Fica 12 por 8.” “Até quando você se zanga, Glória?” “Até quando eu me zango, mas eu não, me zango mais, doutor.” “Então não se zangue nunca mais.” Pronto, é a brincadeira dele comigo. Mas o que eu quero dizer a vocês, certo?

12/13 É, eu acho que como ele perguntou, porque ele é o cão de ‘calçolão’, os dois por isso que estão juntos, aí ó, ó lá, um junto do outro e fica um mostrando as coisas pro outro, e fica um falando com o outro, é só o olho… ele a gente não vê muito porquê tá com cinco negócios desse, e mais um alí, e outro na mão, não, não tá. Só isso.

Ele me perguntou assim: “Porque que a Barca Dalva acabou?”

Eu falo assim: “Eu acredito que a Barca Dalva não acabou” Não acabou porque eu tô falando dela viva. Mas, como tudo na nossa vida aqui, agora, tem começo, meio e fim… ‘Pra’ você escrever alguma coisa você tem que começar, dar o contexto, fechar suas maluquices lá. E depois você dá o fim, não é? Agostinho da Silva escreve uma coisa muito linda, e no final do que ele escreve de “Conversas” o nome do livro que ele fez, penúltimo, porque o ultimo eu nem sei mais como é que chama, ele coloca assim: “E dessa forma, terminou o drama”. Todo drama termina. A Barca não foi um drama, a Barca foi uma alegria. Foi uma alegria ‘pra’ mim, ‘pra’ os quatro primeiros pais, que me ajudaram muito e que são meus amigos até hoje, ‘né’? Claro que cada uma ‘tá’ ‘num’ lugar, mas na hora que fala assim: “Glória está num lugar” e que eles estão, imediatamente eles são muito… eles têm uma cortesia comigo, deve ser porque eu já tô muito velhinha, ‘né’? É assim : “Cuidado, Glória. Cuidado””Não abrace muito apertado ela...” “Porque não pode me abraçar apertado?” Eu pergunto, né? Aí eles dão risada porque sabem que é ‘esculhambação’ da gente pra brincar, pode esculhambar um pouquinho brincando, não pode? E eu gosto imensamente todos eles, todos. Foram meus auxiliares. Ou foram meus professores maiores. Agora, os meninos superaram eles. Eu aprendi com o ‘z’ de Bia, o que nunca ninguém podia me ensinar que uma criança era capaz de fazer toda aquela artimanha. E mais do que isso os adultos têm, né? Ás vezes fazem coisas miseráveis um com os outros. E ela não. Ela só fez com ela mesma. Aí eu falei: “Nunca mais a gente vai dizer que não sabe uma coisa” “Mas eu tenho vergonha, Glória.” Eu falei: “mas vergonha não é isso, você não ‘tá’ com vergonha, você é vaidosa. Porque você sabe que você é bonita.” Só fiz dizer o que era verdade de Bia, porque ela é bonita até hoje. Como Noca, Noca se eu vir eu acho que eu desmaio, porque eu vi com dois anos de idade. E ela ‘tá’ com 41, ela deve estar deslumbrante. Deslumbrante. É uma mulher deslumbrante, não é. É deslumbrante. Eu tive crianças lindas. Tive crianças lindas. Agora, como ‘tão’ no mundo, eu não sei. Por exemplo, eu sei que Tetê é uma ótima professora de filosofia, eu sei que Márcio decepcionou o pai, porque o pai queria que ele fosse… como é esse negócio que você faz comunicação, mas depois você faz projeto, lançando… fazendo desenho pra todo mundo… queria que ele fosse isso. Dois anos, me telefonaram “Glória, você sabe quem ‘tá’ falando?” “Não, não sei assim rápido. Fala novamente.” falou “Sou eu!” eu falei “É Márcio? Diga.” “Glória, eu não vou fazer mais programação visual” Era isso que tava fazendo numa dessas… é, eu acho que é. E, não queria mais aquilo. “E o que é que você vai fazer, filho?” “Ô, Glória. Eu vou abrir uma pizzaria, porque o que eu gosto mesmo é de cozinhar.” eu digo “Então você não vai fazer uma pizzaria. Primeiro você vai ‘pra’ São Paulo, ou então você vai ‘pra’ Inglaterra – eu, maluca- você vai fazer um curso de gastronomia, porque você não vai cozinhar pizza como se cozinha na Bahia.” Porque a pizza dura parecendo o cão. Que não dá nem ‘pra’ gente tocar no dente, né? “Não, Glória. Mas eu não posso ir pra Londres..” “Peça dinheiro a seu pai!” Ele aí, parou… “Não, mas eu… mas aqui já tem um curso de gastronomia” eu falei “Aonde?” Aí ele me disse, eu acho que era na Uneb que já tinha um curso de gastronomia. Ou numa dessas universidades aí, como é? Jorge Amado, não tem uma universidade de Jorge Amado? Era numa dessas. Não era na de Manoelzinho Pereira não. A de Manoelzinho Pereira é ‘pros’ riquinhos, né? Ou não? Eu tô enganada? Mas é ‘pros’ riquinhos. Porque eu moro quase perto, e é tanto carro, que na rua do meu cumpadre Silvio Robato a gente não pode passar mais. Porque é tudo estacionamento, porque eles vêm de carro, ‘ né’? Papai dá o carro, passou no vestibular, ganha um carro. Beleza. ‘Pra’ passar no vestibular precisa ganhar carro? Tenha paciência, doutor…

Prof. Nelson: (“Glória…”)

Terminou.

Prof. Nelson:(“...começo, meio e fim”)

Acabou.

Prof. Nelson: (“Acabou? Não tem uma frase… um pensamento?”)

Não. A frase é “Obrigado”, né?

7:10

-(“Primeiro agradecer, né? Que foi mais uma aula assim, maravilhosa. Onde a gente pôde… mais uma vez… assim né, porque a hoje a gente tá acostumado muito a falar da questão da ludicidade, ludicidade… E hoje eu vi aqui diversas vezes a palavra ‘brincar’ que não deixa de ser ludicidade, mas eu acho que combina muito mais com o ser criança, né? E eu vi várias vezes assim… eu tenho uma sobrinha hoje de 3 anos, e que eu amei várias partes da conversa, porquê eu me via… tipo, em minha sobrinha, né? Via as coisas que minha sobrinha faz em casa, né? E essa questão da gente querer impor que as crianças façam as coisas, e o quanto elas têm o domínio, realmente sobre nós adultos. E o quanto nós adultos estamos sem essa ludicidade, com a falta de amor, sem tempo para eles, e sem paciência com eles, né? Que isso é só deles mesmo, da idade e que são assim, maravilhosos, e que são puros de alma, e se a gente souber levar tem tudo, tem toda a felicidade do mundo. Então, eu amei muito, muito. ”)

-(“Bem, eu… eu queria estar na Barca nesse momento, porque eu com...”)

Vá na minha casa que você chega na Barca…

-(“‘Brigada’… que com essa conversa, com essa oportunidade, eu me vi transportada para a Barca, aprendi, e brinquei ao mesmo tempo. Não vi aquela escola… sisuda, obrigada… então você ‘tava’ brincando, você ‘tava’ se divertindo ao mesmo tempo aprendendo. Obrigada, professor Nelson. Obrigada, professora Glória. Por essa oportunidade da gente conhecer a Barca.”)

-(“Acho que revoluciona a educação, né? Algo de semestre. Hoje aqui eu tive um aula magnifica…)

‘Cê’ é bobo, menino… você vai ter aulas melhores! A vida vai lhe ensinar coisas belíssimas…. Acredite nisso pelo amor de Deus, viu?

-(“… Obrigada pelas suas (inaudivel) professora. Porque a senhora acreditou em um sonho, né? E um sonho que levou à frente, né? Eu acho que a gente não brinca com uma criança – eu sou educador, né? E eu sempre… eu sou formado em história. Vim à pedagogia para poder entender um pouco mais a minha prática. Eu tive que… eu tenho que descer para entender uma criança, e é algo muito sério. Então assim, é algo revolucionário. Chega a emocionar. Então assim, obrigado, por ter tido esse sonho, e eu acho que o professor Nelson…)

Não foi sonho não, menino! Foi real!

(“… professor Nelson perguntou alí “E acabou ou não acabou a barca?”…”

Ainda não!

(“Eu disse não, porque as Barcas estão dentro das pessoas.”)

Exatamente, se você olhar Tetê, ela é uma Barca.

(“...Aí, quando eu ví, e assim ‘Ah a barca acabou’ mas quando você começou a falar e professor Nelson começou també… eu cheguei a minha conclusão, não acabou.”)

Não acabou. Tetê tá ai, Bia tá ai, Ana, Noca tá aí, Sereno tá aí, meu Deus do Céu, Léo tá ai… ish Maria, Lucas tá ai andando, 41 anos, pai de filho, cê acha que isso acabou? Não… não acabou. Eles vão fazer qualquer coisa nesse mundo. Não… não acabou. Muitas barcas vocês vão fundar.

(“E como eu, com a permissão pro senhor Nelson, mostrou um documentário aqui, eu saí deslumbrado também do professor Agostinho Silva, a melhor… um dos melhores eu falei com o professor…)

Eu tenho um escondido e um dia eu te mostro

(“E eu já ouvi que a senhora tem muito do professor Agostinho”)

Ele foi meu mestre, meu bem.

(“É como se eu tivesse vendo ele falando. E...”)

Não, não, não, não. Aí eu não chego a esse negócio não. Isso é bondade sua. Ele é uma pessoa que vive comigo. É como Fernando Pessoa diz: “ele vive comigo na minha aldeia, o tempo todo”. Os meninos dizem assim: “Ô minha mãe, porque que você não casou com Agostinho?” Eu falei “Porque ele era meu pai”. Ele tinha a idade de meu pai, e eu tinha 30 anos, ele tinha 60 e poucos. Aí doutor Darci dizia “Esse velho tá apaixona por você”, eu falei “Papai, tome vergonha.” ‘Né’? E aí ele dizia assim “Que bobagem, que bobagem...” eu falei “Ele é maluco, professor. Não ligue pra ele não.” Né. Mas ele dizia “Ele não tem…” - Como é que ele dizia? Doutor Darci Ribeiro! É maluquinho, é - “Ele não tem areia para seu caminhão”. Quer dizer, eu era tão ligeira, eu era tão maluca, né? Ou eu devo ser ainda, que Agostinho era pausado. Ele me chamava de menina. “A menina não vai fazer isso” “Eu vou!” “A menina não vai fazer.” E aí era uma ordem. Não, eu vivo com ele na minha aldeia. Pode dizer isso a quem você quiser.

(“Tá bom. Obrigado, professora.”)

-(“Então pró. Hoje é emoção mesmo e eu tô tentando controlar, porque eu lembrei das minhas crianças...”)

Seus filhos.

(“… não, eu não tenho, infelizmente. Eu perdi um projeto de canto coral, apesar de não ser regente, mas eu me encantei pela música em grupo. E eu fui convidada pela faculdade de direito, pelo professor Celso Castro, ‘pra’ trabalhar com um grupo de mediação de bairros, bairro das crianças do Vale das Pedrinhas, meu coro Vale da Paz. E daí também me levaram ‘pra’ uma outra cidade, onde as crianças eram presas. Presas no sentido de que não podiam fazer muita coisa. E o que me emociona, é que quando eu cheguei lá, eles começaram a despertar ‘pra’ essa questão…)

Você faz música?

(“… é, na verdade eu fiz artes, BI de artes, e conheci a escola de música. O professor Sérgio Souto, que já faleceu, ele me despertou essa questão da liberdade com a música, do sentir bem com a música, e eu consegui passar isso ‘pras’ crianças. Aí resumindo, eu não faço pedagogia também, eu faço comunicação, mas eu precisava entender essa questão da… dos estudiosos ‘pra’ tentar labutar com as crianças. Resumindo, o meu coro hoje não existe mais por falta de patrocínio, enfim… por causa do golpe do Temer também. Mas as crianças conseguiram seguir, a minha barca consegue... Eles continuam...”)

Olha que beleza!

(“… sem mim, com a falta que faz o grupo. Eles… a gente tem três anos parados. Alguns tinham cinco, eu conheci uns com cinco tocando flauta, outros queriam ser forrozeiros, outros queriam ser modelos, mas a mãe não deixava. Os pais não deixavam. Assim, eles mandavam ‘pra’ cá, ‘pro’ projeto, ‘pra’ se livrar da rua. Tipo “não vai ‘pra’ rua não porque senão vai...” Aí eles chegavam aqui e faziam “Tia Dilu, pode?” Eu disse “Pode!” “Mas tia...” “Pode também. Vamos fazer?” E aí a gente começou a misturar as coisas. E eles começaram a perceber que eles poderiam ser o que queriam, e entender a posição dos pais. As mãe chegavam assim “ai, tô cansada. Eles querem ir ‘pra’ pagode, o quê que eu faço?” Eu digo, “não sei, aqui dentro elas cantam até o pagode, mas tudo vai ter o tempo certo”. Hoje eles estão com 15 anos, uma virou modelo. O outro toca. É outro é forrozeiro. Alguns continuam nas flautas, mas as mães perceberam que eles poderiam sim fazer arte, estudar, e eles não… não tinha risco ‘pra’ sociedade assim, pra família. Eles tinham medo de se envolverem com drogas, as meninas engravidarem cedo… todas elas estão seguindo o seu caminho. Os meninos de Valença, eles tinham um problema maior, disse que era a pior escola do mundo, e me jogaram na pior turma do mundo ‘pra’ eles, a turma da quinta série...”)

Que bom, heim?

(“… Aí, eu e um amigo meu, Edvaldo, que ele é de Cabo Verde... mas por vaidade, eu vou até pedir permissão ‘pra’ falar, o pessoal da escola de direito tem muito isso “Ah, você não faz direito, então...” Eu fazendo comunicação, Edvaldo fazia arquitetura, todos os outros faziam direito. E sabiam o mecanismo dessa pior escola de Valença, e a pior turma. E o que foi que fizeram, eu fiz, não, porque a professora Ana Paula focou na gente, e fez “não, vamos fazer diferente, vamos levar a arte ‘pra’ lá” e antes tinha todo um processo. Eu fiz “Não, vamos jogar eles na pior turma. Vai ter uma gincana” E ai jogaram a gente na “pior turma” dos meninos...”)

Então foi a melhor coisa que fizeram.

(“… Nós ganhamos a gincana! E de uma forma muito engraçada, da menina sentar na mesa e falar “Sim, pró. Fala” eu falei “Mas eu não sou professora. E agora?” Vamos lá, eu convenci essa ‘dona do pedaço’ que ela poderia compartilhar com os outros, tinham muitas meninas que ela humilhava porque ela era loira, não sei o quê ‘parararã parararã’… E aí os meninos ficavam assim… ela que seduzia os meninos. Ela virou minha secretaria no dia da gincana. Eu falei “Não, você vai me ajudar” Não botei ela ‘pra’ fora da sala não. “Você vai ser minha ajuda, vamos fazer o seguinte, vamos me ajudar” com as meninas, as meninas que não gostavam dela, nesse dia. E aí o João tinha um problema muito sério de relacionamento, era o brigão. Ele queria chegar e bater… Então assim, a gente começou a conversar… eu cativei. Eu e Edna a gente conseguiu cativar essas crianças, e falar “Eu vim pra cá e eu não ‘tô’ a fim de perder” Eles gostavam dessa palavra assim do ‘ganhar’… “Eu não vou perder, e o quê que a gente vai fazer agora? Porque ‘tá’ todo mundo lá fora dizendo que a gente não vai dar certo.” Avisei ‘pra’ eles. “É mesmo, pró?” eu fiz “É, mas vocês também não me ajudam” “Não, calma!” E eles começaram a processar tudo. Fizeram cena de teatro… enfim. Me chamaram e falaram “Não, olha Edilúcia. Não pode fazer muito isso não. Não desperta muito isso neles, depois a gente não vai ter estrutura ‘pra’ criar um canto coral aqui. A gente não têm estrutura ‘pra’ fazer isso.” E aí quiseram assim, cortar, porque viu que a coisa ‘tava’ indo demais. Até que eu fui à diretora e falei “Ó Ana, eu não posso ir além disso.” Ela “Porque não?” “Todo mundo ‘tá’ falando isso, mas eu vou, se não for aqui, vai ser em outro lugar. Hoje Mateus me segue, de lá de Valença, de longe. E diz “Ó, tia Dilu. Eu tô fazendo música, eu não sou um risco” “Eu sei que você não é um risco” “Eu tô fazendo música e tal, depois eu te mando um sambinha...” Mas assim, porque que eu tô emocionada? Porque existe uma Barca Dalva em todo mundo, se a gente conseguir enxergar as crianças e até os adolescentes. “É muito arriscado falar com adolescentes...”)

Não é não. Você não foi adolescente?

( “Eu fui. Então assim, eu sei o que eles pensam porque eu passei por isso. Eram 27 dentro de um ônibus, sábado 9 da manhã. E ônibus depois deixava em casa. Eu cuidava dos 27, e do regente, né? Que era outro criança. Mas assim.. tenha essa… eu falei “puxa gente, será que essa é uma Barca Dalva?” Porque eles conseguiram fazer coisas, e as pessoas começaram a enxergar. Sobretudo porque eles eram… são do Vale das Pedrinhas. Eu cantava num coram numa escola particular, não é? Numa escola de Módulo, enfim… E aí eu fiz “Vamos juntar, vamos fazer um espetáculo na… enfim, numa escola no Lucai, eu esqueci o nome. “Vamos fazer um espetáculo?” me convidaram “leva suas crianças”. Não sei que expectativa eles criaram sobre minhas crianças, que depois que chegaram, cantaram, cumprimentaram… ficaram do jeito deles, mas todos com um limite que eles mesmos perceberam que poderiam ter. No final de tudo, aí uma… sempre tem aquele que é o capeta, né? Uma das lá, uma adulta olhou pra mim e fez assim: “Poxa, Edilúcia, como esses meninos são educados...”)

E eles tinham que ser mal educados?

(“… ai eu falei: “E porque eles seriam mal educados? O quê que você esperava deles? Criança jogando cadeira ‘pra’ cima, invadindo o lanche, dando palavrão? Só porque eles são do Vale das Pedrinhas?” Eu fiz “tá bom, não repita isso mais ‘pra’ ninguém” daí ela fez… Amélia: “não desculpa Edilúcia, não repito mais não” perceba, eles são iguais ao seu filho… e daí pronto, elas se encantaram quiseram… até ficaram mais solidárias, mas esperavam lá um bando de… um projeto de marginal, porque eram do Vale das Pedrinhas. E as crianças, porque elas tiveram liberdade ‘pra’ perceber a arte dentro delas, ‘pra’ tentar se respeitar, né? Porque ainda tinha aquele conflito… e assim, eles me dão muito orgulho. Eu fiquei emocionada porque eu lembro deles assim, eu fico… enfim. Mas então eu agradeço...”)

Mais uma Barca Dalva.

(“… por essa experiência, porque é a única coisa que me sustenta também. Você me perguntou “Você tem um filho?” “Não”, nessa época eu tinha perdido o meu primeiro filho, e o único que teria, então essas crianças que de toda forma, me manteram em pé.”)

Não, daqui a pouco chega outro. Não tenha essa, não tenha essa novidade não.

(“Não, eu já ganhei uma sobrinha. Minha irmã é toda metódica, mas a tia maluca que cuida da sobrinha, sabe? Minha sobrinha já canta com 4 meses, gente. Enfim, eu agradeço a oportunidade mesmo, de estar inclusive com vocês, né? Uma experiência muito boa.”)

 

 

Revisão final da transcrição de Isamara Ellen, aluna de pedagogia e monitora de EDC61 – Memória em Vídeo da Educação na Bahia

 

 


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